segunda-feira, 15 de junho de 2020

carga mental

eu preciso estar a par de tudo que está acontecendo.
eu preciso coordenar a ação das pessoas que estão nos ajudando.
eu sou a única pessoa responsável por entender todas as etapas e ordenar as prioridades.
eu sou a única pessoa que entende tudo que precisa ser feito da casa embora eu não consiga reagir.
eu preciso de tempo pra mim.
e preciso de tempo pras pessoas que eu quero ver.
eu preciso de tempo e energia pra acarinhar dudu, pra que ele não se angustie ou frustre mais.

eu sinto sufocar outra vez.
eu sinto todo o peso de tudo sob os meus ombros.
eu sinto culpa por precisar escapar.
eu sinto culpa porque eu simplesmente preciso me desligar pra aguentar tudo que eu preciso.

não vejo luz no final do túnel.
não vejo solução que não viver tudo isso de forma absolutamente intensa e ansiosa
se eu não tomo as rédeas e não faço todas as decisões difíceis e rápido, ninguém faz.
sinto toda a responsabilidade de tudo caindo sobre mim.
não sinto que o dudu está pronto pra dividir as responsabilidades do antes.

acho que durante a viagem talvez ele consiga assumir um pouco mais as rédeas.
o fato dele ser mto mais curioso vai fazer com que ele sugira os lugares, pesquise as opções, traga soluções novas.
mas agora, na hora de ser prático, na hora de colocar a mão na massa e estruturar tudo isso, parece que ele não consegue.
ele não consegue se organizar.
e eu sinto que tudo tem que ser resolvido por mim, única e exclusivamente.

fico repassando em loop na minha cabeça todas as coisas que precisamos.
sinto que elas só andam se eu liderar.
se eu não falar ou fizer algo, nada vai ser feito.

isso me dá dor no corpo, meu coração acelera muito mto forte. perco um pouco o ar.


amanhã eu gostaria de fazer muitas coisas:
fechar em malas tudo que vai pra van.
fotografar tudo que não vai pra van e colocar pra vender em todos os lugares,
comprar tudo que já está na lista.
fazer a reunião da haydee. mas antes fazer o modelo do que eu quero apresentar.
acabar de subir todos os posts da tali.
falar com a menina do consignment.
fazer o invoice pra taci. mandar. pegar o dinheiro.
entender até aonde andré vai me ajudar e começar a fazer acontecer.
fazer tudo que precisa ser feito pra laís.
cobrar palo e eduardo. ou focar em novos clientes. fechar clientes.

devem ter mais seiscentas coisas.
mas agora me lembro dessas.
achei que listando melhoraria.
achei que isso faria ser melhor.
mas não.
meu coração segue acelerado.
minha ansiedade segue a milhão.
justamente por perceber que tudo isso depende de mim.
não sei quantas dessas missões o dudu vai ser capaz de fazer.
muito menos se eu não explicar tim fim por tim tim do que deve ser feito.

sinto como sendo tudo simples o suficiente pra me irritar eu ter que fazer,
e complexo demais pro dudu entender sozinho o que precisa ser feito sem eu explicar.

eu não quero voltar pra esse lugar que eu tenho toda a responsabilidade em mim.
isso é péssimo pra mim. e pior ainda pra gente.
me deixa em completo estado de pânico,
deixa ele em estado de conforto, mas um conforto desconfortável que nem ele sabe pq sentes
deixa a nossa relação naquele lugar ruim e de desgaste de antes da pandemia.
um lugar que desmasculiniza ele. que me coloca no centro de todas as coisas.
pqp. que inferno que é estar nesse lugar.

pq agora ele está dormindo. tranquilo.
como se tudo que houvesse por fazer não estivesse nos ombros dele, ele dorme e sua respiração ressoa.
e eu to aqui, dormindo mal mais uma noite.
queria um chá.
me sinto tão assoberbada que não tenho forças pra levantar e fazer um chá.
ou talvez eu até tenha forças, mas não tenha mesmo vontade.

que merda.
todas as vontades que eu tenho são sempre de suprir as necessidades dos outros e de outros.
o resto eu vou deixando.

preciso separar as coisas de banheiro.
preciso separar as minhas maquiagens.
preciso falar com a taci do pé do sofá.
preciso pegar as panelas em weston.

preciso de tanta coisa feita.
mas eu não queria - e nem sei se eu posso - ser a única responsável por todas elas.
então amanhã eu vou acordar e passar uma lista de missões pro dudu.








sexta-feira, 5 de junho de 2020

carta pra wendy

não entendi até agora o que aconteceu.
não entendi porque você escolheu me colocar na berlinda de maneira tão irresponsável.
não entendi porque você não quis em momento nenhum ouvir o que eu tinha pra falar.
não entendi porque você me bloqueou de tudo me deixando sem a chance de conversar.

eu entendi o que você ganhou:
visibilidade.
e afinal de contas não era isso que eu queria quando eu falei ali de você?
então, por um lado, eu entendo sim porque você fez.
e isso me deixa feliz.

mas assim?
a esse custo?
mesmo sabendo de como isso podia afetar a minha saúde mental?
isso é falta de caráter.

tivesse você dito pra mim: "eu nunca viralizei dessa forma. eu nunca fui tão celebrado no twitter. eu tava precisando desse afago, de apoio, sobretudo nesse momento", eu entendia.
mas você não se preocupou nem uma gota com a consequência.

claro que você não pensou em mim quando você se sentiu usado. isso é natural - o mundo numa tensão absurda. os nervos à flor da pele. você e todo a gente preta vivendo as emoções mais profundas e complexas: medo, revolta, liberdade, ansiedade, coragem. esse e tantos outros sentimentos que eu não sou sequer capaz de reconhecer, quiçá de sentir.

mas você optou por continuar hitando, mesmo depois de saber.
mais do que isso, você optou por tentar me calar.
e a todas as outras pessoas que tentaram falar contra o que você fez. inclusive pessoas pretas.

e, acredita em mim, eu nunca vou saber o quanto é sofrido nascer preto e ser calado todos os dias. e ser colocado em cheque todos os dias. em ter que provar a inocência todos os dias. em ter que se justificar por tudo todos os dias.
nunca.
porque eu nasci branca.
mas quando aconteceu tudo que aconteceu, de alguma forma, e do meu modo, eu senti essas sensações todas por um dia.
e é uma merda.
é uma foda do caralho sentir qualquer uma delas, ainda que seja por um minuto, ainda que seja por um dia. deve ser insportável sentí-las toda uma vida. e eu sinto muito mesmo que você sinta essa sensação todos os dias.

e eu não tenho certeza, mas imagino que você as sinta, porque você é preto. e o mundo é racista.
porque eu nasci branca e eu sou racista.

mas porque eu reconheço isso em mim, eu estou há anos lutando dia após dia pra me desconstruir.
pra me desamarrar.
não só na luta anti racista.
eu todo dia to lutando pra aprender a usar o meu privilégio pra colocar luz nas causas que eu acredito e ajudar e ir quebrando aos pouquinhos as amarras dos outros.

e sabe o que?
não importa pra quantas pessoas eu fale - porque ainda que fosse pra uma pessoa, faria.
eu tenho tido muito sucesso nisso.
várias mulheres me escrevem dizendo o quanto meu livro mudou a vida e a visão de mundo delas. várias pessoas me escrevem, por eu colocar em pauta causas e levantar perguntas difíceis demais de responder, dizendo o quanto foi importante aquela reflexão na desconstrução dos preconceitos dela.

e só por isso eu me sinto com sucesso.
e o sucesso é muito bom.
e eu, de coração, te desejo todo o sucesso do mundo.

mas, infelizmente, eu sei, e você sabe também que toda vez que você se sentir tendo sucesso, você vai se lembrar que você carrega essa terrível mácula.
a de ter arruinado a saúde de uma pessoa, a de ter arruinado os últimos 8 meses de tratamento.

porque foi exatamente isso que aconteceu.
você imagina o que é ter mais de 30 mil pessoas te enviando energia de ódio ao mesmo tempo?
30 mil pessoas que estão passando por uma pandemia, uma crise política insana, uma guerra anti racista, e seus próprios bichos, medos e inseguranças.
você imagina o que é receber toda a descarga dos ânimos de todas essas pessoas que estão vivendo tantas dores?
você imagina passar por tudo isso quando se tem depressão?

tá insuportável.
são 3 da manhã e eu to acordada. tem dois dias que eu não durmo.
eu não sei mais contar quantas crises de ansiedade eu tive desde então.

sabe isso? de que eu nunca vou ser capaz de entender como é ser negro?
é verdade.
mas eu entendo de ser mulher.
e por ser mulher, eu entendo de culpa.
mulher é bicho que nasceu pra ter culpa.

você imagina quatas vezes eu me perguntei o que eu errei?
o que eu fiz que eu podia ter feito diferente?
o que eu tenho que fazer de diferente?
você imagina a culpa que eu sinto quando eu pesno que eu não tinha o direito de me defender porque não era a hora pra isso? porque não deveria ser sobre mim?
ou a culpa que eu tenho de estar com a energia tão drenada que há dois dias eu não consigo lutar, por nada?

e a culpa causa coisas horríveis na gente.
a culpa, ela domina o nosso coração aos poucos.
e eu sei que daqui a pouco, ou talvez agora você já esteja sentindo, ela vem te visitar.
ela vai te rondar nos seus momentos tristes e felizes.

eu sei que você vai sentir culpa por ter me colocado no buraco mais profundo da depressão desde que meu tratamento começou.
e sabe o que? é pra você sentir mesmo.
porque se não fosse eu sequer estaria te escrevendo.

não é porque você é preto e passa a vida inteira passando por coisas horríveis que eu vou te proteger por fazer uma coisa igualmente horrível.
não se brinca com a saúde mental das pessoas.
isso é, bem como o racismo, irresponsável e assassino.