quarta-feira, 11 de novembro de 2009

Chacrinha e Clarisse

Ainda não assisti ao filme do Chacrinha. Mas como nenhum desses filmes costuma falar mal do personagem principal já posso, mais ou menos, esperar pelo que vou assistir. Vários depoimentos de gente que gostava dele, uns e outros inimigos, e uma conclusão brilhante de que ele era um grande gênio popular que arrastava multidões para sua platéia, fazendo toda a massa dar risada. Lindo! Super convincente e romântico. Um prato cheio para dizer que o cinema nacional vai de vento em popa, e pra creditar maravilhas a todos que participaram do projeto.
Sei que quando vir, vou me emocionar, possivelmente derramar lágrimas de manteiga derretida, e se bobear desejar intimamente ter vivido aquela época. Sou tão saudosista que sinto falta de coisas antigas só porque são antigas, não porque são boas... É bem possível que eu saia do cinema querendo voltar pro tempo do troféu abacaxi.
Como em Itaperuna estamos, mais uma vez, sem cinema, espero ansiosamente o dia de ir a outra cidade ver o filme. Enquanto isso, me cabem os trailers do youtube e as matérias, de alguns jornalistas, que estão na internet.


Estou lendo "A Descoberta do Mundo", de Clarisse Lispector, como já mencionei. É um livro de crônicas, todas elas publicadas semanalmente no JB, de 67 a 73. Coincidentemente agora há pouco lia uma pequena crônica que ela escreveu em 7 de outubro de 67, que se chama (adivinhem!) "Chacrinha?!".
Ela praticamente execra o apresentador. Vou copiar a crônica aqui:

Chacrinha?!, de Clarisse Lispector

"De tanto falarem em Chacrinha, liguei a televisão para seu programa que me pareceu durar mais que uma hora.

E fiquei pasma. Dizem-me que esse programa é atualmente o mais popular. Mas como? O homem tem qualquer coisa de doido, e estou usando a palavra doido no seu verdadeiro sentido. O auditório também cheio. É um programa de calouros, pelo menos o que eu vi. Ocupa a chamada hora nobre da televisão. O homem se veste com roupas loucas, o calouro apresenta o seu número e, se não agrada, a buzina do Chacrinha funciona, despedindo-o. Além do mais, Chacrinha tem algo de sádico: sente-se o prazer que tem em usar a buzina. E suas gracinhas se repetem a todo o instante — falta-lhe imaginação ou ele é obcecado.

E os calouros? Como é deprimente. São de todas as idades. E em todas as idades vê-se a ânsia de aparecer, de se mostrar, de se tornar famoso, mesmo à custa do ridículo ou da humilhação. Vêm velhos até de setenta anos. Com exceções, os calouros são de origem humilde, têm ar de subnutridos. E o auditório aplaude. Há prêmios em dinheiro para os que acertarem através de cartas o número de buzinadas que Chacrinha dará; pelo menos foi assim no programa que vi. Será pela possibilidade da sorte de ganhar dinheiro, como em loteria, que o programa tem tal popularidade? Ou será por pobreza de espírito de nosso povo? Ou será que os telespectadores têm em si um pouco de sadismo que se compraz no sadismo de Chacrinha?

Não entendo. Nossa televisão, com exceções, é pobre, além de superlotada de anúncios. Mas Chacrinha foi demais. Simplesmente não entendi o fenômeno. E fiquei triste, decepcionada: eu quereria um povo mais exigente."


Depois de ler a crônica acho que dá até preguiça de ver o filme. Talvez porque eu de fato seja apaixonada por Clarisse, e eu vou achar a definição dela muito mais competente do que a do diretor que filmou Chacrinha. Mesmo que não seja... É paixão, e com paixão a gente não discute.

Independente de qual seja a posição dela com relação ao Chacrinha, e embora muitos discordem, sem dúvida alguma se há uma opinião que partilhamos com total verdade é, sem sombra de dúvidas, querer um povo mais exigente.

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