Com essa coisa toda do tempo passar, vamos mudando, pouco a pouco, dia a dia. Mudam os desejos, os anseios, mudam as ideias. Mas o corpo também muda. Muda todo dia, dependendo de quem eu acordo, de quem eu me disponho a ser ao acordar.
Nos dias em que eu acordo alegre, o corpo acorda alegre. Acorda magro, liso, fácil de vestir. Sorriso amplo. Tudo fácil - e eu penso que todo dia poderia ser dia de acordar assim fácil e feliz.
Por outro lado, tem dias que a noite é foda. E ai o corpo é reflexo do ontem, da madrugada, da insônia, da noite perdida, do dia de esforço, do monte de trabalho. E ai, nesse dia, é um tremendo arrrastar do tempo e do corpo. Um deixar levar em que é mais fácil sair do controle, colocar em modo avião, carregar bugingangas e não se maquiar. E comer qualquer coisa ruim e que seja pesada e gordurosa.
E tem ainda aqueles dias que são reflexos dos outros dias. Dias de corpo arrastado, por causa de dia sorriso amplo. Que foi o que me aconteceu ontem. E que, por isso, está me dando essa noite insone e complicada.
Claro que ele estar longe também é um baita de um complicador... Já não sei mais dormir sem as pernas deles entrelaçadas nas minhas, e muito menos sem a respiração leve, e o beijo de boa noite, e a certeza - sempre reiterada - de que, pro que quer que eu precise estará aqui ao meu lado para mim.
Mas essas noites, apesar de ruins - e no caso de agora, causada pela bendita porta da cozinha, que teimou em abrir e fechar e bater e fazer barulho - são boas para escrever. E é sempre bom voltar a escrever um pouco, e me olhar de perto - de dentro - um pouco.
Por muitas vezes, a gente vai mesmo vivendo a vida em modo avião. Quase todos os dias acordo, me visto, escovo os dentes, pergunto como está a roupa - porque eu quebrei o bendito do espelho, e ainda não temos o nosso espelho novo, e isso é um grande problema, junto com a cômoda que ainda não temos e as minhas roupas que ficam espalhadas ao redor do planeta terra em milhões de casas e armários e malas - e saio. Sem comer, sem tomar café da manhã juntos, sem fazer a cama, sem me maquiar. E ai, no caminho do trabalho, mesmo com tempo de sobra, falta força e ânimo para me maquiar, fazer um penteado diferente, ouvir uma música boa.
Aqui faço uma pausa, porque é preciso dizer que há dias em que sim, faço tudo isso pela manhã, e o dia se torna lindo. Colorido.
Relleno.
De mais a mais, o que vem depois disso é trabalho. E aquela coisa diária dos banhos de água fria, do cuidado meticuloso ao mover, andar, falar, vestir, emitir opinião. Não é que eu não goste do meu trabalho - gosto e muito, quando estamos num dia bom, e podemos criar, e sentimos que foi um dia produtivo - mas é que, às vezes, a sensação que tenho é que o prazer é complicar.
Em tudo, na vida.
E ai entra uma parte de auto análise/auto crítica, que eu sempre me julguei capaz de fazer e talvez agora esteja deixando tudo cair por terra,
you know?!
É como se eu carregasse comigo a certeza de que eu sou alguém descomplicada. De que ok, está tudo bem enquanto puder, enquanto eu puder ter dia pleno, e até mesmo enquanto eu puder ir empurrando com a barriga - assim mesmo em modo avião. Só que acontece que, às vezes, eu mesma me pego complicando. E, puxa, como isso é chato.
É chato se me dou conta que os outros estão fazendo isso. Imagine você, então, a chatisse que é eu mesma fazendo esse tipo de presepada com meu próprio eu. É injusto.
Injusto porque, 1, eu não tenho a menor paciência para esse meu eu problemático/complicador, e fico meio que me odiando internamente e me culpando, 2, que esse trava língua trava corpo trava tudo que é meu trabalho no dia a dia - exceto quando eu me esqueço que ele é assim e me solto e acabo errando - deixa as coisas tão tensas/travadas que eu fico me sentindo um drogado em final de festa, numa bitolação tola infinita, 3, embora eu tente, muito, fugir desse ódio barato, desnecessário e desmedido, as pessoas ao meu redor não ajudam a controlar - falta auto controle - e desandam a enlouquecer em escala de dominó.
Eu sempre me sinto mais um peça de um dominó incapaz de ficar em pé por mais do que alguns segundos. E essa sensação absolutamente frustrante é a que tem posto os meus dias em modo avião.
Ou talvez seja exatamente o contrário. Talvez esse acordar em modo avião esteja fazendo com que os meus dias sejam arrastados. Arrasta-me, a mim e aos outros dominós. Os dominós ruins, e os dominós contaminados pelas coisas ruins.
É que - se paramos pra pensar friamente - não existe muito isso de dominó ruim. Existem as circunstâncias em que as pessoas simplesmente não sabem lidar e se tornam esquizofrenicas, malucas, com necessidades de falar mal do outro, fazer intriga, criticar.
Quanto a mim, acho que vale fazer o que eu sempre fiz de melhor. Não ver esse tipo de coisa, passar por cima, e ser eu mesma - com todos, inclusive com os dominós ruins - e ai, vai ver, um dia, eu passe a trazer eles pro meu time dos dominós bons (ou, impactados pelas circunstâncias, que deixam de ser bons e passam a ser envenenadorezinhos também - como eu muitas vezes me transformo).
Mas, como eu ia dizendo - ou deveria ir, porque a essa altura eu já perdi o fio da meada - existem esses dias bons, que começam bons, e são bons. E embora todas as circunstâncias apontem para uma terça-feira absolutamente traumática e cheia de complicadores, algo me diz que se eu acordar bem e feliz e colorida, tudo há de dar certo.
Então só pra provar meu ponto - ou só pra tentar, uma vez mais - preciso dormir absolutamente agora (3:30) para acordar em 4 horas, lavar a bendita da louça que tanto está me incomodando - e que talvez seja o real motivo da minha insônia - colocar a roupa bem colorida que vai combinar com o calor caótico de mais de 40 graus que vai fazer no Rio de Janeiro amanhã, e ir pro trabalho. Não posso esquecer de algumas coisas: 1, limpar o estúdio - roupas e cenário - 2, enviar nomes para RDL - aperol, olé e salinas, 3, dar entrada nas benditas ipanemas no sistema, 4, OMG, o que mais tanto veio perturbando a minha cabeça nas últimas duas horas acordada?
Talvez eu lembre ainda antes de dormir e escreva no celular. Talvez eu simplesmente esqueça - resultado claro da insônia. Ou talvez lá pelo fim do dia, quando a coisa toda já devia estar resolvida, eu tome um esporro por não ter me lembrado.
Acho melhor voltar a usar a bendita da agenda.
Me desvirtuei demais. Acho que é porque é mesmo hora de tentar dormir - embora, de fato, o sono tenha ido pras cucuias. Mas, se o que tem pra hoje é o não ter as pernas dele pra eu me embrenhar, vou ligar a Dido, bem baixinho, e pensar que estou na minha cama de solteiro da casa da vovó, onde é mais fácil estar sem ele e sem o cheiro dele, e sem a nossa cama quente e deliciosa.